sábado, 5 de março de 2016

Juliano Berko, "Καιρός" [2016]


“São necessários golpes de sorte e muita coisa incalculável, para que um homem superior, no qual se acha adormecida a solução de um problema, chegue a agir – a “irromper”, poderíamos dizer – no momento justo. Em geral, isto não acontece, e em todos os cantos da Terra existem aqueles que esperam, mal sabendo em que medida esperam, e menos ainda que esperam em vão. Por vezes também chega muito tarde a chamada que desperta, aquele acaso que traz a “permissão” para o agir – quando a melhor juventude e força para agir já foi consumida pela inação; e muitos sentiram com espanto, ao se “pôr de pé”, os membros já dormentes e o espírito pesado! “É tarde demais!” – disseram a si mesmos, descrentes de si e desde então inúteis para sempre. – Seria o “Rafael sem mãos”, no sentido mais amplo, a regra e não a exceção, no reino do gênio? – Talvez o gênio não seja tão raro; mas são raras as quinhentas mãos que ele necessita para tiranizar o Καιρός, o “momento justo”, para agarrar o acaso do melhor jeito!” [Nietzsche, O Problema dos Que Esperam, 274, “Além do Bem e do Mal”]



Καιρός
[60'00'' — Download]

α. Incipit Tragoedia [10’11’’]
β. Felicidade Perene, Alegrias Efêmeras [7’36’’] 
γ. A Gaveta Dos Enganos [4’55’’] 
δ. I Don’t Want To Die Today [5’49’’] 
ε. Brown Leather Boots [3’37’’] 
ϝ. Mitleiden In Der Mitternacht [5’58’’] 
ζ. Escopo De Hórus [4’08’’] 
η. Tudo Aquilo Que Se Chama Amor [4’17’’] 
θ. O Meu Ocaso [6’06’’] 
ι. Delayte [7’18’’]

Todas as Letras e Todas as Músicas; Gaita, Guitarra, Baixo, Bateria e Teclados [Piano Eletrônico 2.6], Vozes; Gemidos e Suspiros; Sangue e Cabeça Quentes: Juliano Berko. Gravado em Fevereiro de 2016, Brasília, DF. Imagens: “Intranquilas Visões do Paraíso” [Capa e Contra-capa], Juliano Berko, Praia de Pipa/RN, fevereiro de 2015; Símbolo da “Estrela de Shamash” [CD]; Edições sobre a Logomarca RCA©, Lua em Quarto-Crescente, “Enkidu e Gilgamesh” em Recriação de Neil Dalrympler [Encarte]. “Escopo de Hórus” e “Delayte”: conceitos emprestados do filósofo Sérgio Berquó. * “Incipit Tragoedia” possui citações de: “Bolero de Ravel”, e “Watching The River Flow” e “Desolation Row” de Bob Dylan; “O Meu Ocaso”, possui citações de: adaptação do “Lamento Fúnebre Para Gilgamesh” [“Epopeia de Gilgamesh”, Autor Desconhecido, Mesopotâmia, milênio II a.C] e “Paraíba” [Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira]. “Brown Leather Boots” faz referência à canção de Carl Perkins, “Blue Suede Shoes”. Inserção de áudio [ruído branco]: “Ruído de Fundo do Universos Captado Pela NASA”. Participação Especial: Locução em “O Meu Ocaso”: Sérgio Berquó. Voz em “Tudo Aquilo Que Se Chama Amor”: Spanish Google Translate Girl.

Juliano Berko, 2016.

INCIPIT TRAGOEDIA!

www.oversolanoverso.blogspot.com
julianoberko@gmail.com
youtube.com/julianoberquo
soundcloud.com/julianoberquo
061-85156753

01. Incipit Tragoedia




Incipit Tragoedia 

I.

Nos pródromos da loucura, com a brisa pura do paraíso
Mergulho na água do rio Lete e adentro aos Campos Elíseos

Fui a fera que Hera enviara, que fora esmagada na batalha
E que teve como galardão ser transformada em constelação

Através da máscara de Cristo revelara-se me a face de Dionísio
Para nós, guerreiros – arco teso; para nós, os fortes – o que tem peso

II.

Hoje entendo um deus que, por amor, responde a Jó em suas preces:
“Nada justifica a tua dor, por isso mesmo é que ela te enobrece”

O fogo dos deuses me temperou, o Zéfiro também me carregou
Compaixão por deuses ocultos um dia também foi o meu amor

Há sentimentos à espreita dispostos a assassinar o solitário
Se os mortos postarem a te falar, siga em frente – ignore o seu chamado!

III.

Eu poderia me apaixonar por uma vida estável,
Por um deplorável bem-estar, mas nunca tive esse azar!

Voei demente com asas vacilantes, quebrando os dentes – mastigando diamantes
Eu também convalesci da ferida e soltei um grito na hora da despedida

I was watching the river flow, wich way the wind does blow?
And I also mailed a letter from the desolation row
[Eu estava a ver o rio fluir, pra que caminho o vento bate?
E eu também enviei a carta da fila da desolação]

IV.

No andar superior da humanidade fiz minha morada – a que me cabe
Que uma outra máscara dissimule a estupidez da minha honestidade!

Vós dissestes que eu não conseguiria e eu não tinha nenhuma garantia
Como fazeis – a expiação – eu não o faria, até que enfim me veio em sonho esta melodia

Quase perdi a razão – já fui de mim mesmo irrisão
Crio para além de mim nesta canção e numa experiência típica encontrei o meu refrão

Quando se tem caráter tem-se sua experiência típica que sempre retorna
Arrastado à insanidade pelo silêncio à minha volta – só ela não me ignora
Quem muda me é aparentado, pois, há tantas auroras que ainda não raiaram
Essa sorte – tê-la eu espero – ter a morte que vem para mim quando eu quero

 

02. Felicidade Perene, Alegrias Efêmeras




Felicidade Perene, Alegrias Efêmeras

“A alegria deve ser compartilhada”
Assim reza uma legenda moralista
Mas, onde houver sabedoria sublimada:
- A felicidade é uma coisa egoísta.

Pois, aquilo que me enche a vista
Aos outros não deve dizer nada
Mas, da vontade, já fui contorcionista
Espetáculo de horror de uma vaidade envenenada

Com a experiência vem a medida justa
A picada da víbora desperta Zaratustra
Pra minha sanidade, uma dose de loucura
Para estas verdades, uma distância segura

Pra purificar as fontes da minha paixão
Recuperar a inocência da visão
Afiar as flechas do grande anseio
E recuperar da atrofia a musculatura do desejo

Oxalá que a corda do meu arco
Não venha a desaprender a vibrar
Pois, pela marcha mais pesada
Vem se tornando leve pedalar

Nunca é fácil desprender-se do rebanho
Ser tido como um monstro, o estranho
Nem “agradecer” por tanto entulho
Quando ele se interpõe entre mim e meu orgulho

Se hoje lanço um sereno sorriso
Ante uma imperturbada visão do paraíso
Sei que foi devido ao assombro
De tanto descer ao Hades por um caminho sombrio

Hoje há pendurada em minha porta
Uma insígnia inscrita em minha guirlanda:
Zelar pela abundância sem errar pelo excesso
E viver uma felicidade perene, de alegrias efêmeras




03. A Gaveta Dos Enganos




A Gaveta Dos Enganos

Subi à montanha carregando minhas cinzas
Apavorado, em silêncio: só, ao som dos meus passos
Em frente e para o alto – meu destino era o céu
Tal qual abelha que acumula demasiado mel
Ó, até aquele que é apenas anseio, o sol
Sem aqueles a quem ilumina, ele diria: estou só!
Ainda que aquecesse tão pobres corações
De insaciáveis desejos, profundas frustrações...

Onde levou-me a minha senda: foi à rua da amargura
Ali eu fiz minha morada, chamei-a de ‘casa da loucura’,
Me encontrei com os meus anseios em sua sala dos espelhos
No armário do esquecimento – a minha gaveta dos enganos 


Desci à cidade, vi muitas casas, porém,
Para nelas adentrar tive que me agachar!
Logo eu, que ante os poderosos nunca rastejei
E, se alguma vez menti, foi porque amei
Que acontecera? Será que eu cresci?
Tudo parece tão menor que desde quando parti...
De fato, estou mais forte, voo mais alto e melhor
O olhar da inveja se apequena – nunca me verá maior!

Caminhava pelos bosques sempre a procurar
Um caminho por onde fosse possível amar
Terrível era a minha visão nesse momento:
Quanta teia de aranha – quanto bicho peçonhento!
Nunca vi curiosidade matar um leão...
Resisti às bordoadas, mas não às suas picadas
De tanto provar veneno, abracei o risco
Não morri, é verdade, mas degenerei em vício

04. I Don't Want To Die Today




I Don’t Want To Die Today 


Life is a river – death is a sea
As dry as the winter – desert grows inside me
It was a nature’s force that made me chase so fierce

I was dying of thirst – soon I will have my feast
My veins are flooding of blood my extremities
I drained all the flux untightening my lust

I don’t want to die today
Or live a life under shades of gray
But I know I may die tomorrow
If I love being affected by sorrow
I don’t want to live forever
I can’t pretend that there ain’t no fever
My heart my head will have to follow
Aware that there is no happiness to borrow

Once upon a time I was laid on the floor
Captive of a beast hided in the fog
Now, my vanity is a dog that sleeps outside my door

Oh, lovely mirror which hangs on my wall
Who is the most joyful man of them all?
Or it’s my self-esteem tied to a deliberated pride?

Never hide yourself the pain
You’ll have to dive on it
Don’t let yourself drown, otherwise
You may not see another sunrise
You must grab in hands your fate
You’ll have to love all of it
You might face your wound again
And work on the great disdain

Tradução: 


"Eu Não Quero Morrer Hoje"

A vida é um rio – a morte é um mar
Seco tal qual o inverno – o deserto cresce em mim
Foi uma força da natureza que me fez perseguir ferozmente

Eu estava morrendo de sede – logo terei meu banquete
Minhas veias estão encharcando de sangue as minhas extremidades
Eu drenei todo o fluxo desatando minha luxúria

Eu não quero morrer hoje
Ou viver uma vida sob tons de cinza
Mas eu sei que posso morrer amanhã
Se eu amar me afetar pela tristeza
Eu não quero viver para sempre
Eu não posso fingir que não tenho febre
Meu coração minha cabeça terá de seguir
Ciente de que não há felicidade para se tomar emprestada

Era uma vez... eu estava deitado no chão
Cativo de uma besta escondida na neblina
Agora, minha vaidade é um cão que dorme à minha porta

Amável espelho meu, que está na minha parede
Quem é o homem mais alegre de todos? 
Ou será minha auto-estima atada a um orgulho deliberado?

Nunca se esconda a dor
Terás que mergulhar nela
Não se permita afogar, senão
Não verás outro nascer do sol
Deves agarrar nas mãos teu destino
Terás de amar tudo nele 
E poderá encarar sua ferida novamente
Trabalhando em seu grande desdém

05. Brown Leather Boots




Brown Leather Boots

Well, it’s one step forward
Two step back,
Three to gaze death,
Now I can forget it

I can walk on the grass,
Upon the untrodden path,
Or even being gross
Dancing over broken glass

I can step on the mud,
Keep my feet dry in the flood,
Take a walk in the woods
To temper my mood

I can do anything that I want to do,
And even you, dear, may step on my boots

I don't care, everywhere I might have my roots.
I can do anything wearing on my brown leather boots.

Tradução: 

"Botas De Couro Marrom"


Bem, é um passo a frente
Dois para trás,
Três para enfrentar a morte,
Agora posso esquecê-la

Posso andar na grama,
Sobre o caminho não-trilhado,
Ou mesmo ser grosso
Dançando sobre vidro quebrado

Posso pisar na lama,
Manter meus pés secos na enxurrada,
Passear na floresta
Para temperar meu humor

Eu posso fazer qualquer coisa que eu queira
E mesmo você, querida, pode pisar nas minhas botas

Eu não ligo, posso ter minhas raízes em qualquer lugar
Posso fazer qualquer coisas calçando minhas botas de couro marrom

06. Mitleiden In Der Mitternacht




Mitleiden In Der Mitternacht 

My heart is heavy, quicksilver in my veins, my blood is darker than night
My wings are broken, there’s lead in the air, I’m longing back when I could fly
Driven by my vices, I rolled dices, reach the desire to light
The path of endless pain, of decaing gain, of whom is tired to cry
Lost in mistranslation: there is where I lie – under a summer storm sky
Haze between verses: here is where I hide – my hopes used to be so high!
Nicht gewinnt, wer nicht wagt
Erwachen in der Mittag

Unstable health, invisible wealth, howling like a lonely wolf
Hungry for my feast, love is for me thirst: was I a cat on the roof?
Crowling to bed, my weakness led... I had to swallow my pride
I’m loosing my breath, what there is left? I’ll let me take by the tide
Throughout arid words, I wonder if: is this the day that I could die?
Amazed by rhymes: this is what I’m like when despair push me inside
Ich leide, muss genesen meine Macht
Mitleiden in der Mitternacht

Once a blue moon, envying sun,
Shone brightly in the vault, haunted the lonesome,
You came with your warmth, though blocking my light
Didn’t knew that I’m cold – then you touched ice

For I embrace the void, I spit on your pity
Lost in the city: I’m found in the noise
Always returns: I stare at the dawn
After or before I fall sleep, therefore

Nicht gewinnt, wer nicht wagt
Erwachen in der Mittag
Ich leide, muss genesen meine Macht
Mitleiden in der Mitternacht

Tradução:

"Compadecer à Meia-Noite"

Meu coração está pesado, há mercúrio em minhas veias, meu sangue é mais escuro que a noite
Minhas asas quebradas, há chumbo no ar, sinto saudades de quando podia voar
Guiados pelos meus vícios, lancei os dados, alcancei o desejo de iniciar
O caminho da dor sem fim, do ganho decadente, de quem está cansado de chorar
Perdido em má tradução: é aí em que me encontro, sob uma tempestade de verão
Bruma entre os versos: aqui que me escondo – minhas esperanças costumavam ser tão altas!
Nada se ganha se não houver coragem
Acordando ao meio-dia

Saúde instável, riqueza invisível, uivando como um lobo solitário
Faminto de meu banquete, amor para mim é sede: fui um gato no telhado?
Me arrastando para a cama, minha fraqueza me levou... tive que engolir meu orgulho
Estou perdendo o fôlego, o que me resta? Vou me deixar levar pela correnteza
Através de palavras áridas, eu me pergunto se: é este o dia em que eu poderia morrer?
Maravilhado pelas rimas: é assim que eu sou quando o desespero me toma por dentro
Eu sofro, devo recuperar minha força
Compadecer à meia-noite

Uma vez uma lua azul, invejando o sol
Luziu brilhante no firmamento, apavorou o solitário
Tu vieste com teu calor, apesar de me bloquear a luz
Não sabia que eu era frio, então tocaste em gelo

Para abraçar o vazio, eu cuspo em sua piedade
Perdido na cidade: me encontro no barulho
Sempre retorna: eu encaro a aurora
antes ou depois de dormir, portanto

Nada se ganha se não houver coragem
Acordando ao meio-dia
Eu sofro, devo recuperar minha força,
Compadecer à meia-noite

07. Escopo De Hórus




Escopo De Hórus 

Um dia o placebo perde o seu efeito
Não terá mais sabor a comida de isopor
Não há nada de novo por debaixo do sol
Já sei de cor de tudo ao meu redor

Eu li o Escopo de Hórus
Eu vi o Oráculo de Delfos
Ouvi os Ditirambos de Dionísio
E também senti a paixão de Cristo

Quase cai na teia de uma rata que
Com um beijo quis pregar-me na cruz
Deitei em sua cama, sentei à sua mesa
Mas sua “boa nova”, a “culpa”, não me seduz

Em seu covil, vi tua face
Ó, monstruosa Medusa
Descobri o teu disfarce
Meu espelho deixou-te confusa

Ela nunca fora Perséfone, na dúvida, levei iscas de mel para Cérbero
Relutante em amar, vingativa tornou-se tal qual Afrodite ou Ishtar
Todas as pessoas são cenários em que encontro a mim mesmo
Algumas poucas são campos de batalha onde eu enfrento os meus medos

E onde não for possível amar deve-se passar ao largo!

Ó, frágil Andrômeda, fui teu Perseu?
Ó, bela Oceânide, vinde ao teu Prometeu!
Ó, grande Shamash, abençoa este filho teu!
Enkidu morreu – e quem matou-o? Fui eu?!

O meu peito é largo,
Meus pulmões têm fôlego
Minha estrada é longa
Feita de fogo, jogo e logos

E a flor que busquei, num mergulho no rio
Elixir da minha força, de espinhos me feriu
Seu aroma suave atraiu uma serpente que,
Enquanto eu descansava, arrebatou-a com os dentes

Ah, minha ferida lambida!
Ah, minha ciência sofrida!
Ó, destino que se anela,
Eterna confirmação e chancela!

Que eu me aproveite de toda a natureza, mas que não carregue excessos
Que minha semente lançada não seja desperdiçada – aposte nela, Apolo!
Que eu cante louvores à vida tal qual o fazia na antiguidade clássica o Sátiro
E pereça como uma gota pesada que pende de uma nuvem carregada

Que desce das alturas para anunciar a vinda de um raio que o parta!

08. Tudo Aquilo Que Se Chama Amor




Tudo Aquilo Que Se Chama Amor

Que é a paixão senão a disposição para sofrer?
O que quase já me matou: satisfazer o instinto
O fastio leva ao torpor e me anestesia os sentidos
Arrastado por cães selvagens – ainda ouço os latidos

Tudo aquilo que se chama amor
A solidão há de ensinar
Tudo aquilo a que se chama sonho
Que é senão luz a nos guiar?
Como a terra anseia pelo sol
Pleno de calor estival
Tudo aquilo que se faz por amor
Está para além do bem e do mal

Seria eu um pavão envergonhado das minhas cores
Ofendido pelo olhar daqueles que não sabem vê-las
Recolhendo minha cauda – chamaria a isso de orgulho?
E desfilando minhas vaidades ainda desço ao Hades...

A: Lo que usted dibuja en la playa sucumbe al mar y al tiempo
B: Entonce me voy a dibujar te en mi sueños
A: Yo supongo...

[A: O que você desenha na praia sucumbe ao mar e às intempéries
B: Então vou te desenhar em meus sonhos
A: Eu suponho...]

09. O Meu Ocaso




O Meu Ocaso 

O que me exigiu mais coragem na vida foi a minha felicidade
O cadáver mais assustador é a lembrança do que não existiu
Meu orgulho fala: não mais me envaidece a autoria de desenganos
E pra desatar o desatino: amar o meu destino

Assim fala o desapontado: a esperar por ecos, ouvi elogios

A cada dia abençoo o que vem do acaso
Àquilo que me destino, eu não me escuso
De coração atado, evito o afeto jocoso
Em cada esquina eu procuro o meu ocaso

Tu que és minha amiga, parte na minha discórdia
Arma-te para a vida: dê-me o golpe de misericórdia
E lembrem-se, meus amigos: não quero condescendência,
Também sei amar meus inimigos, pois, espero desafios

Mais do que ter me acostumado, anseio pelo amargo

“Ele venceu o mal, ele não mais voltará
Ele adentrou a montanha, ele não se levantará
Ele era sábio e belo, ele não mais voltará
Ele adentrou a montanha, ele não mais voltará
De seu leito fatídico, não se levantará
De seu divã multicolorido, ele não mais voltará”

10. Delayte




Delayte

O grande sol me ilumina no meio-dia da minha vida
Ó, quem soubera da minha aurora?! E meu ocaso – quem o anunciaria?!

O maior mentiroso que existe me disse: “nunca me arrependi”
E quem garante que a vida prescinde da mentira?

Todo conhecimento vem acompanhado de uma dor do parto
Por meus rebentos, me arrebento inteiro – e até a lua está em um quarto

Aceite cumprir teu destino – o que escolheste ou o para o qual foi escolhido:
Que o kairós seja para ti um deleite, um delírio, um devir!

Um gênio vai à loucura, entretido em sua própria contemplação
Grita para sua obra: “Fala! Fala!” – enquanto a estraçalha

Uma fênix dourada, enternecida por sua asa ferida
Voa de volta pra casa e se aninha dentre a sua mirra

No dia mais belo da estação, por um mal-estar sofro um bocado
O que os fracos chamam “pecado”, eu redimo chamando de – acaso

Aquilo que eu mais gosto de ouvir é a minha canção
E a que ainda quero ouvir é a que escreverei a quinhentas mãos